O texto que se apresenta a seguir traz um pouco da história da DC – Democracia Cristã – no Brasil e na América Latina. É de autoria de Sandro Anselmo Coelho, da Universidade Federal do Paraná e foi publicado na Revista de História. A analise completa pode ser lida em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882003000200009&lng=pt&tlng=pt
O Partido Democrata Cristão: teores programáticos da terceira via brasileira (1945-1964).
INTRODUÇÃO
Observando os estudos sobre a história política brasileira, notamos que os principais partidos políticos do período 1945/1964-5 receberam muita atenção dos pesquisadores. Contudo, ressaltamos que são poucos os registros sobre o Partido Democrata Cristão (PDC), mesmo este tendo sido o que percentualmente mais cresceu no Legislativo nacional em 1954, não obstante a edição do Ato Institucional nº 2 (AI-2) em 1965. 1
Diante deste quadro, resolvemos elaborar este artigo com o objetivo de analisar o conteúdo programático do PDC brasileiro, ou seja, identificar como ele apresentou, em diferentes conjunturas, sua proposta de Terceira Via. Nossa análise se desenvolverá indicando de que forma os programas partidários do PDC, de 1945 e de 1961, bem como os discursos dos pedecistas registrados nos Anais da Assembléia Constituinte de 1946 (AAC) e nos Anais da Câmara dos Deputados (ACD), respondiam aos dilemas pelos quais passou a política brasileira. Será possível, assim, demonstrar a maneira pela qual os pedecistas ambicionaram ampliar sua influência na política nacional. Tais programas e discursos permitem explicar como os pedecistas visaram a responder a dois importantes dramas da nossa história política:
a) pós-1945, quando “novas formas de governo teriam que substituir as medidas coercitivas do Estado Novo”;
b) e início dos anos 1960, quando já se configurava uma alteração do sistema partidário nacional. Esta alteração foi assim entendida por Maria do Carmo Campello de Souza (Campello de Souza):
(…) o declínio dos grandes partidos conservadores UDN e PSD , e a conseqüente dispersão eleitoral, induziram, em médio prazo, um processo de realinhamento do sistema partidário, e de fato já começaram a se configurar como tal. Os indícios deste realinhamento […], eram bastante claros, e eram notados por uma minoria de observadores já no primeiro lustro dos anos cinqüenta. […] A alteração se dava em favor de pequenos partidos reformistas [PDC, PTN (Partido Trabalhista Nacional), PSB (Partido Socialista Brasileiro) e MTR (Movimento Trabalhista Renovador)].
Antes de abordarmos o caso específico do PDC brasileiro, é pertinente uma aproximação introdutória sobre o tema da Democracia Cristã (DC) e de sua aspiração à Terceira Via. Desta forma, façamos uma brevíssima apresentação sobre a conformação da DC como alternativa política internacional a fim de propiciarmos ao leitor que porventura não conheça o assunto, a possibilidade de uma familiarização. Ao final da Segunda Guerra Mundial, a proposta democrata cristã surgiu como um movimento político autodenominado como distinto dos que até então se apresentaram no cenário político-partidário mundial. Esta alternativa passou a conquistar uma relativa força eleitoral em diversos lugares, em especial na Europa e na América Latina. Quanto à Europa, partidos democratas cristãos surgiram na Alemanha (União Democrata Cristã), na Itália (DC Italiana), na Áustria (Partido Popular), na Bélgica (Partido Social Cristão) e na França (Movimento Republicano Popular). Observamos, outrossim, partidos com esses princípios na Holanda (Partido Popular Católico) e na Suíça (Partido Conservador Suíço). Na América Latina, a DC esteve, para além do Brasil, no Chile, na Argentina, Uruguai, Peru, Guatemala e El Salvador, todos com a denominação de PDC; no Paraguai (Movimento Democrata Cristão), na Nicarágua e na Bolívia (Partido Social Cristão), no Equador (DC Equatoriana), na República Dominicana (Partido Revolucionário Social Cristão) e na Venezuela (Partido Social Cristão Comitê de Organização Política Eleitoral Independente). O ponto em comum entre estes diversos partidos esteve no fato de se apresentarem e se entenderem como diferentes das demais agremiações por formularem a idéia da chamada Terceira Via, a qual, resumidamente, se oferecia como alternativa entre o capitalismo liberal e a doutrina socialista revolucionária. Claro que esta proposta assumia características diferenciadas conforme o momento e a situação em que estivesse inserida. Mas a título de um registro mais amplo, vemos que os democratas cristãos a expunham como estando na “insistência sobre os valores familiares e sobre o papel das comunidades intermediárias, no respeito pela propriedade privada, na busca da participação nas relações de trabalho e no pluralismo político”.